sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Discussão sobre a função do jornalista embasada por um exemplo do cotidiano

Muito se discute a beleza e complexidade da língua portuguesa. Muitos a vêem como uma monstruosidade impossível de aprender. Outros a veneram e adoram fazer uso de palavras difíceis para impressionar. Certos ou errados, cada lado tem sua razão, mas o que desejo aqui é entrar no assunto: palavras complexas e jornalismo.

A capa da Carta Capital do dia 22/10/08 traz uma matéria alusiva à crise financeira. Até aí tudo bem, mas uma chamada me chamou muito a atenção:

Berlim 1989: soçobra o socialismo real

Quando li essa manchete no fim de tarde de ontem, no Parque Barigui, pensei: “mas que porra é essa? Como é que uma revista informativa coloca uma palavra absurda dessas em uma chamada de capa”?

Por um bom momento cheguei a pensar que havia ocorrido um tremendo erro ortográfico. Fiquei na dúvida até a chegada de minha namorada e um amigo. Mostrei a revista a eles e os dois também não tinham a menor idéia do significado de “soçobra”. Detalhe que os três são estudantes de jornalismo. Na teoria deveríamos saber, não? Até pode ser! Ou não?
Bom, isso é papo pra discussão quase filosófica que é falar sobre os prós e contras da língua portuguesa. Enfim descobrimos, através de uma ligação para a sogra, que a tal “soçobra” de fato existe. Tem algo a ver com naufragar, perturbar, subverter ou aniquilar.

Hoje levei a revista para o meu trabalho e mostrei para meu chefe que já foi editor de várias revistas e ainda atua no ramo. Ele também não conhecia a palavra e achou muito errado por parte da Carta colocar uma palavra tão bisonha em uma capa. Como editor, ele entende que isso pode ser um grande ruído na comunicação. E de fato, é. Tenho certeza que muita gente, assim como eu e meus colegas aspirantes a jornalistas, ficou na dúvida sobre o real significado da palavra.

Ainda insatisfeito, fui falar com as meninas do departamento de revisão da Editora em que trabalho. Mostrei para três delas que mais uma vez não conheciam a palavra. Enfim, a discussão rendeu.Mas no fim de tudo isso, passado o choque e o sentimento de ignorância por não conhecer a palavra, cheguei a conclusão de que foi muito válida a utilização da palavra na capa da revista, afinal, fez com que eu tivesse que ir atrás da informação. Você pode ver isso como algo ruim, afinal, é dever do jornalista “traduzir” as notícias de forma que fique claro para o leitor, mas também é dever dele contribuir para o desenvolvimento das pessoas, do país e do mundo. E a Carta conseguiu isso. Ensinou uma nova palavra à pelo menos sete pessoas (que foram as que discuti o assunto) e fez com que uma grande discussão fosse feita.

Pra mim é esse o real sentido do jornalista: Promover a cultura e gerar discussão.

Parabéns para a equipe do Mino Carta por não soçobrar a cultura de seu leitor

A polêmica do cigarro

A presença da Souza Cruz no Diálogos Universitários, realizado em março na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) acendeu uma polêmica. Pelo menos pra mim! A publicidade de cigarros está proibida no Brasil desde 2000, mas parece que o evento patrocinado pela empresa que comercializa cigarros passou batido pelas autoridades. Tudo bem que não era o Free ou o Carlton que estampavam os cartazes e banners do evento, mas ainda sim, me senti imensamente invadido por ver a marca Souza Cruz inserida no meio universitário, onde obviamente tem milhares de clientes em potencial.

O artigo 3º da Lei Federal nº 10167, de 27 de dezembro de 2000, nas cláusulas IV,V e VIII diz que são proibidos:

IV - a realização de visita promocional ou distribuição gratuita em estabelecimento de ensino ou local público;

V - o patrocínio de atividade cultural ou esportiva;

VIII - a comercialização em estabelecimento de ensino e de saúde.

Não presenciei nenhuma ação que remetesse à claúsula VIII no evento, mas asseguro que é frequente a visita de promotores de venda devidamente uniformizados, nos corredores da UTP.

Agora, voltando tema central, entendo que o evento era uma boa oportunidade para os estudantes, mas toda essa situação é no mínimo incoerente. Há pouco tempo, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade promoveu um evento patrocinado pela cerveja Nova Schin. Cartazes foram feitos e distribuídos pelo campus e imediatamente vieram ordens da instituição para que fossem retirados. Afinal, existe uma lei que proíbe a publicidade de bebidas em estabelecimentos de ensino. Lei que por acaso, é a mesma comentada há pouco. Hipocrisia? Interesse? Falta de bom senso? Tire suas conclusões.

No dia do evento já estava muito incomodado com isso, com a proibição imposta para filmar ou tirar fotos da palestra e com o fato de o palestrante Nelson Motta não ter atendido os alunos de jornalismo que quiseram entrevistá-lo antes do evento. Mas tudo bem. Sentei e procurei acompanhar a palestra.

Lá dentro avistei a produtora do “Diálogos”, que é funcionária da Souza Cruz e fui falar com ela. Perguntei se não achava incoerente uma empresa que comercializa cigarros estar patrocinando um evento dentro de uma universidade. Ela me olhou, parecendo ofendida e surpresa com o questionamento e respondeu perguntando se em algum momento eu havia os visto falarem de cigarro. Falou sobre as ações sociais e sustentáveis promovidas pela empresa e que ela não tinha culpa pelas pessoas fumarem.

Realmente um discurso lindo. Muito próximo da resposta que obtive deles pelo comentário que fiz na pesquisa de satisfação distribuída no dia da palestra, em que falei justamente sobre não concordar com a presença deles ali.


"Prezado João,

”Comercializar legalmente cigarros é uma atividade lícita e a missão da Souza Cruz é fornecer produtos de qualidade a adultos que escolheram fumar, cientes dos riscos associados ao hábito. A Companhia compreende as preocupações públicas relativas a seus produtos e desempenha historicamente um papel exemplar e socialmente responsável em um ramo de atividade altamente tributado e regulado, além de ser um grande investidor em ciência e tecnologias, em busca de minimizar o impacto de seus produtos à saúde de seus consumidores.”

Equipe Diálogos Universitários


Ao mesmo tempo em que a Souza Cruz “discretamente” faz sua publicidade, o Ministéro da Saúde estima que 200 mil pessoas morram por ano no Brasil, em função de doenças relacionadas ao fumo.
O que fazer diante de uma situação dessas? A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que a melhor saída é elevar as alíquotas de imposto para o produto. Fato que o Ministério da Saúde até tentou fazer, segundo matéria publicada no Folha Online, mas foi barrado porque a Receita Federal acha que isso iria aumentar o contrabando. Ora, porque não assinam de vez o atestado de incompetência para controlar as fronteiras?! Já sei... é muito mais fácil deixar o preço baixo e diminuir o contrabando, do que aumentar o preço e salvar vidas.